quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Season Tickets

Planta do iPro Stadium, com categorias de ingresso e preços
Sou são-paulino desde que me entendo por gente. Comecei a frequentar o Morumbi das mãos do meu pai, com nove anos de idade, e pelas minhas contas devo ter presenciado pelo menos uns 300 jogos no estádio – era outro o Cícero Pompeu de Toledo daqueles tempos, bem mais cinzento, sem cadeiras ou grades divisórias nas arquibancadas, moldadas em um cimento primitivo e longe de confortável. Fui sócio do clube por mais de dez anos, durante minha infância e adolescência, passei por todas as categorias do velho COD (Centro de Orientação Desportiva) e até disputei competições pelo Tricolor. Apesar de tudo isso, posso dizer, sem sombra de dúvida, que hoje o São Paulo Futebol Clube não tem conhecimento da minha existência.
Moro em Derby (Reino Unido) há menos de seis meses. Nesse período, fui a três jogos do Derby County aqui no iPro Stadium - e o clube já sabe quem eu sou. Na semana passada recebi pelo correio uma carta assinada pelo presidente do clube, Sam Rush, agradecendo pelo meu apoio até aqui e me oferecendo um plano de Season Tickets, ingressos para toda a temporada 2014-2015. A proposta é individualizada, inclusive com preços direcionados ao tipo de entrada que eu comprei nas três partidas (Categoria E, a mais barata).
Visão do Upper North Stand, Categoria E
A carta do presidente veio acompanhada de um folheto com um mapa do estádio (foto acima), explicando o que há disponível. Os preços variam não só de acordo com a localização dos assentos, mas também pela faixa etária do comprador. O ingresso mais caro é o do adulto, mas há subcategorias para maiores de 75 anos, entre 65 e 75, adultos jovens (de 18 a 22 anos), de 15 a 17 anos, de 13 a 14 e menores de 12 anos.
Na minha categoria (adulto), os Season Tickets mais baratos para toda a temporada (no Upper South Stand, meu ponto favorito, por exemplo) custariam 299,50 pounds (R$ 1.193) se pagos à vista. O valor dá direito a pelo menos 23 jogos (toda a temporada da Championship, a Segunda Divisão inglesa, disputada no iPro Stadium). O número de partidas pode ser maior, se o Derby garantir vaga nos playoffs (caso fique entre o terceiro e o sexto lugar na tabela) e de acordo com os sorteios para a FA Cup e League Cup, que podem ser disputados em casa ou fora.
Considerando só os 23 jogos garantidos, cada ingresso sai por 13 pounds (R$ 52). O valor total pode ser parcelado em até 11 parcelas mensais, incluindo juros de 7%, após o pagamento de um depósito inicial de 24,96 pounds (R$ 99,40) e mensalidades de 26,71 pounds (R$ 106,40), no total de 318,77 pounds (R$ 1.270).
Como o Derby sabe quem eu sou? Simples. Ao comprar um ingresso para qualquer partida no iPro Stadium, você precisa mostrar um documento e informar endereço, telefone e e-mail. Ah, a entrada é adquirida em uma sala climatizada, de um educado funcionário uniformizado, trajando camisa e gravata e sentado em frente a um computador, não de um buraco na parede, isolado por uma grade enferrujada, como é costume no Morumbi. Há algum tempo está em discussão no Brasil a criação de um cadastro nacional de torcedores como forma de combater a violência, inclusive com a emissão de um novo documento obrigatório para cada indivíduo que quiser frequentar estádios. Mas todo cidadão brasileiro já não tem um documento nacional de identificação, chamado Registro Geral, o popular RG? Para que emitir mais um documento?
Carta do presidente e metade do dinheiro de volta em caso de acesso
Aqui na Inglaterra os próprios clubes têm esse cadastro dos torcedores, não só para efeito de segurança, mas para conhecer quem frequenta seu estádio - e ganhar dinheiro com isso. O detalhe é que no caso do Derby County estamos falando de um clube da Segunda Divisão, em uma cidade de cerca de 250 mil habitantes (com alguma história, é verdade, dois títulos da primeira divisão, nos anos 70), nada comparável ao São Paulo, a equipe mais vencedora do futebol brasileiro, situado na maior e mais rica cidade do país...
A proposta de Season Tickets do Derby County é válida até 16 de março e veio acompanhada de uma tentação extra. Se os Rams (apelido do clube, referência ao carneiro que serve de distintivo e é o maior símbolo da região de Derbyshire) subirem para a Premier League (Primeira Divisão inglesa) neste ano, você recebe de volta metade do dinheiro pago pelas entradas...

Carreguei no YouTube um vídeo com o ambiente no Upper North Stand:
http://youtu.be/LYIauN98leg

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Os pubs e a Copa

Pubs, na briga para receber frequentadores em horário estendido
A pouco mais de quatro meses do seu início, a Copa do Mundo não frequentava exatamente o topo da pauta ou despertava muito interesse nas ruas da Inglaterra. Um time inconsistente, o grupo duro definido no sorteio (Itália, Uruguai e Costa Rica) e o tradicional pessimismo inglês com a própria seleção certamente colaboravam para isso – até que uma nova variável foi adicionada à equação: os pubs.
A questão toda tem origem no horário, ou melhor, no fuso horário. Com os jogos previstos para acontecer às 13h, 16h, 17h, 19h e até 22h (só um, Costa do Marfim x Japão) de Brasília, os pubs estariam fechados durante algumas partidas do Mundial, porque os últimos confrontos começariam às 23h aqui do Reino Unido. Como a legislação obriga os estabelecimentos a encerrar as atividades às 23h, o encontro de Inglaterra e Itália, agendado para as 19h de Brasília (23h de Londres), no dia 14 de junho, por exemplo, não poderia ser visto em um pub.
Para contornar o problema, a BBPA (British Beer and Pub Association), associação que representa o setor, pediu ao Home Office (Ministério do Interior) uma licença especial que permitisse a todos os pubs continuar funcionando por duas horas a mais, até à 1h, durante dois finais de semana – o de abertura do torneio (13 e 14 de junho, sexta-feira e sábado, o que abrangeria Inglaterra x Itália) e o que antecede a final (11 e 12 de julho).
Refúgio para assistir futebol na Inglaterra
Em um país em que exceções à regra são poucas, o pedido do segmento pode parecer abusado, mas o histórico recente permite pensar o oposto. Tanto no fim de semana do casamento do Príncipe William com Kate Middleton (29 e 30 de abril de 2011) e no que antecedeu a comemoração do Jubileu de 60 anos da Rainha Elizabeth II no trono (1 e 2 de junho de 2012), os pubs foram especialmente autorizados a seguir servindo até à 1h da manhã.
Dessa vez, porém, o Home Office, negou o pedido (no último domingo), alegando que a Copa do Mundo não era um evento único como as datas ligadas à família real, o que enfureceu frequentadores de pubs por todo o país. A Football Supporter’s Federation (algo como a Federação dos Torcedores de Futebol) apressou-se em dizer que a decisão era uma “grande vergonha” para aqueles que não podem pagar para acompanhar a Seleção Inglesa ao Brasil. “Para muitos fãs a coisa mais próxima de assistir um jogo ao vivo é a vibração do pub”, disse Graham Brunskill, representante dos torcedores, ao jornal Daily Star Sunday.
A questão pode parecer menor aos olhos brasileiros, mas o pub é uma verdadeira instituição britânica, tão amada – e sagrada - quanto a realeza. Pelos números da BBPA, existem cerca de 50 mil deles na Inglaterra, Escócia, Irlanda do Norte e País de Gales, que empregam nada menos do que 980 mil pessoas.
Já tradicional, o hábito de assistir futebol no pub ampliou-se nos últimos anos, impulsionado pelo aumento dos preços dos ingressos nos estádios e também pela seca de jogos transmitidos pela TV aberta - bem ao contrário do Brasil, eles são uma raridade por aqui. Tanto a Premier League (primeira divisão inglesa) quanto a Championship (a segunda) só podem ser acompanhadas nos canais por assinatura. Quem não paga televisão a cabo tem direito a ver só as partidas das seleções inglesas (masculina e feminina) e um jogo da Champions League (o principal campeonato europeu de clubes) por rodada - normalmente se envolve algum clube inglês. Ou seja, para ver o time do coração, o inglês vai mesmo ao pub, em parte pelo ambiente, em parte porque é o único lugar ainda acessível às classes mais baixas para ver futebol. Vale lembrar, a Copa do Mundo será transmitida pela TV aberta (BBC) no Reino Unido.
Tão democrático que no pub entram até os cachorros
Percebendo a bola de neve em formação – especialmente considerando as eleições gerais agendadas para maio do ano que vem -, o primeiro-ministro conservador David Cameron veio a público hoje para contradizer o próprio ministro, pedindo que a extensão do horário de funcionamento dos pubs seja “repensada”. Segundo fontes não reveladas do governo ouvidas pela BBC, está praticamente certo que a cerveja continuará fluindo dos barris até a 1h da manhã, pelo menos durante o jogo da Inglaterra contra a Itália, no dia 14 de junho.
De acordo com a BBPA, o beneplácito governamental pouparia bastante burocracia, uma vez que os pubs também podem entrar com pedidos individuais para permanecer abertos pelas horas extras – ao custo de 21 pounds cada. Brigid Simmonds, a chefe-executiva da associação, deu duas informações à BBC que ajudam a compreender a atitude do primeiro-ministro. A permissão para seguir aplacando a sede dos seus frequentadores por quatro horas adicionais no final de semana de 11 e 12 de julho adicionaria 21 milhões de pounds à economia britânica, E, por fim, a estimativa dela é de que durante a última copa europeia de seleções (a Euro 2012, realizada na Polônia e Ucrânia), 4 milhões de pessoas – e potenciais eleitores – foram aos pubs do Reino Unido para assistir os jogos...