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| Camas de hospital no Estádio Olímpico de Londres, em 2012 |
Os britânicos têm um imenso orgulho do seu serviço universal de saúde, que presta atendimento gratuito e universal a todos os cidadãos, custeado exclusivamente pelos impostos. Criado em 1948, durante a estruturação do Welfare State (o Estado do Bem-estar Social), o sistema é centralizado e administrado integralmente pelo governo, deixando pouco espaço aos serviços privados nas terras da rainha. Se fosse pensado algo parecido para a cerimônia de abertura das Olimpíadas do Rio de Janeiro de 2016, com a glorificação do SUS (Sistema Único de Saúde), qual seria a reação da plateia? A resposta dá a medida da diferença entre os dois modelos de saúde pública.
O NHS impressiona só pelos números. O serviço é o quinto maior empregador do planeta, com 1,7 milhão de funcionários – atrás do Departamento de Defesa dos Estados Unidos, do Exército chinês, da rede varejista Walmart e da cadeia de lanchonetes McDonald’s. São 146 mil médicos e 275 mil profissionais de enfermagem. Só para lembrar, o Reino Unido tem uma população de 63 milhões de pessoas, enquanto o Brasil já vai pelos 200 milhões...
Um sistema desse porte não pode funcionar sem investimento – e pesado. O governo britânico gasta em torno de 100 bilhões de pounds (R$ 380 bilhões) por ano com o NHS, o equivalente a 6,25% do PIB (Produto Interno Bruto) do país em 2012. Enquanto isso, no Brasil, o SUS recebe 3,8% do PIB nacional. A questão central no funcionamento do serviço por aqui, porém, não está apenas no dinheiro.
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| A homenagem ao NHS na abertura da Olimpíada |
Outra característica única do NHS é a forma como o acesso aos serviços médicos é administrado. Se você precisa de algum atendimento, tudo começa com uma visita a um GP (General Practitioner), o chamado clínico geral no Brasil. Esse profissional vai examiná-lo e, se julgar necessário, encaminhar o caso a um especialista. Mesmo que você tenha um plano de saúde privado (sim, existem aqui também), não é permitido a um especialista agendar uma consulta solicitada diretamente pelo paciente – é preciso antes passar pelo GP.
Os GPs funcionam como os moderadores do sistema, filtrando e direcionando os atendimentos. Essa centralização é a chave para o serviço funcionar, mantendo os custos sob controle – pelo menos até aqui.
Como qualquer serviço de saúde no mundo, o NHS também está sob uma pressão crescente. O envelhecimento da população e o avanço da tecnologia médica vêm aumentando a demanda e ampliando os custos – e em um período em que há menos recursos disponíveis, dada a crise econômica que se abate sobre a Europa desde 2008.
| Parece um shopping center, mas é um hospital público, o Royal Derby |
E há ainda os chamados “males do estilo de vida”: um em cada quatro britânicos é obeso, número que dobrou nos últimos 40 anos e alimenta os casos de diabetes, câncer e doenças coronárias – o que acarreta ao NHS um gasto estimado de 4 bilhões de pounds (R$ 15,2 bilhões) anuais. Ao lado da obesidade, complicações de saúde derivadas do tabagismo e do abuso do álcool abocanham outros 3 bilhões de pounds (R$ 11,4 bilhões) cada por ano.
Todos esses fatores se juntam para formar a “tempestade perfeita” no inverno, quando o volume de atendimentos nos hospitais aumenta consideravelmente em decorrência de doenças relacionadas ao frio, o que já levanta previsões de que o próximo, que começa no sábado, pode ser o pior de todos os tempos. No inverno passado o NHS simplesmente não conseguiu cumprir as metas mínimas do tempo em que um paciente deve receber atendimento entre janeiro e março.
O governo já colocou em prática um processo de reforma do NHS, com medidas que vão do fechamento de hospitais menores a cortes de pessoal – a meta é que o sistema economize 20 bilhões de pounds (R$ 76 bilhões) até 2015. Mas há outras medidas, que aos olhos dos médicos brasileiros podem parecer vindas diretamente de Caracas...
O governo quer o NHS funcionando de segunda a domingo, e já planeja obrigar os médicos a trabalhar durante os finais de semana, dando consultas e realizando exames, não só em regime de plantão. Atualmente há uma cláusula contratual trabalhista que proíbe o expediente, mas isso não vem sendo considerado um problema. “Há uma cláusula que diz que as organizações não podem forçar um médico a trabalhar no fim de semana – eu acho que podemos ter essa cláusula removida”, afirmou à BBC o diretor médico do NHS, Bruce Keogh.
Considerando que o serviço público é o principal pagador e empregador dos médicos no Reino Unido, não dá nem para mudar de emprego – pelo menos não sem mudar de país... A iniciativa não é puro ato de sadismo, o governo tem em mãos uma pesquisa mostrando que 4.400 pessoas morrem por ano como resultado de uma cobertura inadequada dos quadros profissionais hospitalares durante os finais de semana.
| Royal Derby Hospital por dentro |
A média salarial de um médico britânico foi de 63,7 mil pounds (R$ 242 mil) por ano em 2013, o equivalente a 5,3 mil pounds (R$ 20,2 mil) mensais. A título de referência, o salário mínimo na Inglaterra gira em torno de 12 mil pounds (R$ 45,6 mil) anuais, ou seja, 1 mil pounds (R$ 3,8 mil) por mês.
No polêmico programa Mais Médicos do governo petista, a bolsa para os médicos necessários no interior do país é de R$ 10 mil por mês, além de auxílios moradia, transporte e alimentação, custeados pelo município onde vão atuar. Esses valores não se mostraram muito atrativos aos profissionais brasileiros, o que abriu a portas aos estrangeiros.
Dizem que perguntar não ofende. Será que há muitos médicos no Brasil dispostos a se mudar para a Inglaterra, para ganhar R$ 20 mil mensais, trabalhar aos finais de semana e ter o governo como único empregador? Ah, esse salário é bruto, antes do imposto de renda, do qual aqui é difícil escapar...
Veja abaixo o trecho da cerimônia de abertura da Olimpíada de Londres 2012 com a homenagem ao NHS:
http://vimeo.com/47528368


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