A partida, na estação de Aberdeen |
O tempo nas estação foi bem curto, pouco mais de dois minutos, e às 6h03 a locomotiva 55 022 da Royal Scots Grey – mais conhecido como Deltic 22 -, deixou Aberdeen no rumo sul. Antes de se direcionar às montanhas lendárias da região central a composição teria que costear boa parte do litoral leste escocês, passando por Stonehaven, Laurencekirk, Montrose e Arbroath, aproximando-se da capital, Edinburgh, e da maior cidade do país, Glasgow. Só então o trem seguiria os trilhos para o norte, contornando localidades com nomes vindos do gaélico, a língua dos celtas, primeiros habitantes da Escócia. Aos meus ouvidos, pelo menos, lugares como Garelochhead, Ardlui, Crienlarich ou Tyndrum parecem descrever o território dos elfos ou dos dwarfs...
Esse trem não faz essa rota todo dia – na verdade só uma vez por ano. É uma tentativa de volta no tempo, de manter viva uma tradição ferroviária agonizante. O Deltic 22 é uma locomotiva movida a diesel que começou a operar em trilhos escoceses em 1961 e foi aposentada em dezembro de 1981, usada depois só em ocasiões especiais. Olhar para o passado na tentativa de garantir um futuro mais brilhante é o que a Escócia discute atualmente. Exatamente daqui a um ano, em 18 de setembro de 2014, o país irá às urnas em um referendo para decidir se permanece parte do Reino Unido ou se vai se transformar em uma nação independente.
Bandeira escocesa, em Aberdeen |
Envolvendo boa parte da riqueza nacional, os escoceses partiram para a América em 1698, com seis navios e 1.200 colonos. O clima difícil, com longas temporadas chuvosas, o terreno pantanoso e difícil de cultivar, uma cadeia montanhosa íngreme entre os dois litorais e ataques dos espanhóis puseram por terra o sonho da Escócia de se ver catapultada à primeira divisão das nações europeias. Em dois anos eles abandonaram o Panamá, deixando para trás 2.000 mortos, dos 2.500 escoceses que se envolveram na aventura.
Atentos ao momento de fraqueza, os ingleses pressionam. Através de subornos à elite escocesa e promessas de compensação pelas perdas em Darien, a Inglaterra consegue fazer passar o ato no Parlamento vizinho e oficializa a união.
Locomotiva Deltic 22, movida a diesel |
E o trem? Bom, a viagem é longa, mas cheia de paisagens extraordinárias, com destaque para as montanhas escarpadas e lagos de um azul bem escuro nas Highlands, com direito à visão de um ou outro castelo cinematográfico em ruínas. A cabine era bem confortável e além de café-da-manhã e jantar, o vagão-bar servia boas ales escocesas. A civilidade britânica, porém, foi mantida à risca - a recomendação era começar a consumir bebidas alcoólicas só após as 10h30 da manhã.
Oban, na costa oeste da Escócia |
O que pensam os escoceses sobre a independência? Pesquisas discrepantes, ao que parece, não são privilégio brasileiro. A enquete mais recente feita pelo Scottish National Party – partido que comanda a campanha pelo “sim” – indica que 44% dos ouvidos são a favor da separação, 43% dizem “não” e 13% não sabem. Uma outra pesquisa, feita pelo YouGov, um site especializado em medir a opinião pública, por outro lado, coloca o “não” bem à frente (59% a 29%, com 12% de indecisos).
Uma terceira pesquisa, feita pelo jornal The Scotsman, com sede em Edinburgh, mostra que na Escócia o que manda mesmo é o bolso – algo previsível, uma vez que o Tio Patinhas é escocês. A pergunta foi: “Se você estivesse convencido de que receberia 500 libras a mais por ano como resultado da independência, você seria a favor da separação?” Nesse caso, 47% dos pesquisados disseram que sim, 37% ficaram contra e 16% não souberam responder.
Kilchurn Castle, à beira do Loch Awe, nas Highlands |
O plano de manter a união monetária após a independência, sugerido pelos partidários do “sim”, é acusados de ser pouco claro. Um dos poucos números na mesa é o balanço fiscal. Beneficiada pela renda da exploração de petróleo no Mar do Norte, a Escócia gera 9,9% da receita tributária do Reino Unido e recebe de volta, em gastos, 9,3% do bolo. As cifras fazem mais sentido se considerarmos que o país concentra só 5 milhões dos 63 milhões do Reino Unido, em torno de 8,4% do total. O argumento, contudo, não mostra o retrato completo, porque a conta não inclui gastos intangíveis que correm por conta do governo britânico, como manutenção de militares e representações diplomáticas, por exemplo...
Slain's Castle, ex-igreja e atual pub |
A cidade, mesmo, seria vista melhor só no dia seguinte. Aberdeen é monocromática – mas em um bom sentido. Você olha para os lados e quase tudo o que vê é cinza, porque as construções são todas de granito. Terceiro maior aglomerado humano da Escócia, com 225 mil habitantes, é o principal centro da indústria petrolífera na Europa, e por isso bastante rica. A maior reserva desse tipo de pedra no Reino Unido estava lá e foi usada largamente para erguer casas, prédios comerciais e públicos.
Aberdeen, feita de granito |
Após três séculos de integração ao mundo britânico, acho que deve ser mais ou menos esse o medo dos escoceses, sobre o que pode vir à tona junto com a independência...
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