Betfred, na nobre esquina da rua da catedral, em Derby |
Apostar em jogos é mais do que uma simples brincadeira de fim de semana no Reino Unido, é um hábito fortemente arraigado na cultura e que movimenta bilhões de pounds anualmente. Uma estimativa da Sportradar, uma agência de monitoramento de apostas, aponta que o segmento gira entre US$ 700 bilhões e US$ 1 trilhão por ano (algo entre R$ 1,6 trilhão e R$ 2,3 trilhões) no mundo todo.
Atualmente a indústria de apostas é um gigante nas terras da rainha e o futebol tomou a dianteira como esporte favorito, à frente até das tradicionais corridas de cavalos – 70% do volume de apostas é destinado a ele. A profunda crise econômica na qual o país se arrasta desde 2008 deu fôlego extra ao negócio do jogo por aqui. Não só há mais gente vulnerável à tentação de ganhar dinheiro fácil nas apostas, mas os agentes, transformados em grandes corporações, passaram a ocupar os melhores pontos comerciais nas cidades, galgando ao que os ingleses chamam de High Street. Em Derby, por exemplo, na principal rua da região central, a área mais nobre (e cara) para o comércio, em um trajeto de pouco mais de duzentos metros contei cinco casas de apostas.
Do outro lado da rua, em frente à Betfred, uma loja da Ladbrokes |
O grande impulso à atividade foi dado mesmo pela tecnologia. Com computadores e algoritmos cada vez mais sofisticados, hoje é possível calcular os chamados odds (a probabilidade de um evento ocorrer e a taxa que a casa de apostas paga em caso de acerto) para qualquer situação – e quase instantaneamente. Além disso, os grandes no negócio do jogo enxergaram de imediato os benefícios da mobilidade digital. Com a popularização dos smartphones, eles passaram a disponibilizar plataformas online que permitem ao apostador jogar de onde estiver, ao mesmo tempo ampliando exponencialmente o alcance do próprio negócio e tornando a atividade potencialmente muito mais viciante.
Ah, e existe uma terceira vertente não menos importante do avanço tecnológico a mover a roda da indústria: hoje é possível acompanhar praticamente qualquer evento esportivo no planeta, não só porque há muito mais partidas sendo transmitidas, mas porque elas estão acessíveis pela internet, via streaming, seja nos canais oficiais dos proprietários dos direitos esportivos ou nos sites “piratas”. Juntando tudo, o resumo da equação é simples: há mais partidas para se apostar, está mais fácil e rápido para a indústria do jogo estabelecer taxas de apostas para esses jogos e toda a informação está globalmente disponível aos apostadores.
Interior de uma unidade da Ladbrokes, a "loteria tecnológica" |
Um exemplo de como funciona. Na terça-feira passada eu assistia a Manchester United x Shaktar Donetsk, pela Champions League, uma das raras oportunidades de futebol transmitido em um canal aberto de televisão por aqui. No intervalo do jogo, quando o placar ainda estava zero a zero, fui surpreendido por um anúncio criativo de uma das gigantes do jogo por aqui, a Ladbrokes. Na propaganda, dois caras comuns são levados à presença do Oddsfather (uma brincadeira com o Godfather, como o Poderoso Chefão, clássico personagem mafioso de Marlon Brando no cinema, é conhecido aqui). Eles beijam o anel do “padrinho” e perguntam: “O que você pode fazer por nós?”. O Oddsfather levanta uma placa em que está escrito: “Robey next to score, 7 to 1” (ou seja, o holandês Robie Van Persie, que estava no banco, ser o próximo a marcar no jogo, pagava 7 pounds para cada um apostado). Embaixo da placa, um letreiro anuncia: “Before, 5 to 1” (Antes, 5 para 1).
Resumindo, no intervalo do jogo a casa de apostas lança uma “promoção” – com 45 minutos a jogar, aumenta o valor pago em caso de o artilheiro do Manchester United marcar um gol. Mas ele ainda não tinha nem entrado em campo, e poderia nem entrar... Quem caiu no canto da sereia se deu mal. Van Persie entrou, o Manchester United venceu por 1 a 0, mas o gol foi do meio-campista Jones.
Ligas para apostar: Bulgária, Bahrein, Jordânia ou Omã? |
As prisões desta semana no Reino Unido foram a consequência de duas investigações sem relação entre si, por dois jornais britânicos. A primeira, do Sun on Sunday, ouviu de um ex-jogador profissional com passagens por Reading e Portsmouth, Sam Sodje, que ele recebeu 70 mil pounds (R$ 266 mil) para “cavar” um cartão vermelho, em uma partida do Portsmouth contra o Oldham, válida pela League One (a Terceira Divisão inglesa).
Isso não foi há anos, mas em fevereiro. O vídeo do lance é surreal, mostra Sodje golpeando Lee Barnard, digamos, abaixo da linha de cintura, em uma discussão na lateral do gramado – não uma, mas duas vezes, como que para ter certeza de que o árbitro iria ver (o vídeo do lance pode ser visto aqui: http://www.youtube.com/watch?v=15CXZn_7_T4). Sem saber que estava sendo filmado, Sodje disse ainda ao Sun on Sunday ter intermediado o pagamento de 30 mil pounds (R$ 114 mil) a um jogador escalado em uma partida da Championship (a Segunda Divisão da Inglaterra) para que ele “cavasse” um cartão amarelo. Ainda no vídeo, Sodje afirma ser capaz de realizar feitos semelhantes na Premier League (a Primeira Divisão) e que estava se preparando para atuar em jogos da Copa do Mundo no Brasil.
"Fiesta" de apostas no anúncio da Paddy Power, em Derby... Para quem? |
De acordo com o fixer, o custo de fazer resultados na Inglaterra era “muito elevado”, afirmando que em geral o valor ficava em 70 mil pounds (R$ 266 mil) por jogador envolvido. Ele deu o exemplo de um jogo em que quatro gols precisariam ser marcados, dois em cada tempo, o resultado final da partida não importava. O sinal “de confiança” de que estava tudo certo para iniciar a cadeia de apostas na Ásia seria dado por um jogador no campo. Ele “cavaria” um cartão amarelo logo nos primeiros minutos, para indicar que o acerto estava de pé - pelo que receberia 5 mil pounds (R$ 19 mil). O mesmo fixer previu quantos gols seriam marcados em uma partida no dia seguinte – e acertou.
Loja de tintas? Não, mais uma casa de apostas |
Não adiantou, tive que dar meus palpites para toda a rodada. No meio do processo, expliquei a ele que no Brasil não se pode apostar em futebol – pelo menos não legalmente. Ele pareceu surpreso e emendou: “Mas o futebol brasileiro é a grande máfia das apostas!”. Tentei defender a integridade do esporte nacional, ainda que sem muita convicção, e consegui escapar antes que ele começasse a me perguntar sobre a rodada da Série B.
Se o macedônio estava certo ou errado sobre a honestidade do nosso futebol não sei, mas a questão é que há um cara nos Balcãs acostumado a jogar em resultados dos campeonatos brasileiros, da primeira e segunda divisão – e não deve ser o único. Ou seja, as ferramentas estão disponíveis.
Na Inglaterra estão de olho. E no Brasil? |
A realidade do futebol brasileiro é um prato feito para os fixers... A grande maioria dos jogadores é mal paga, o calendário deixa clubes já desestruturados e deficitários sem atividade durante metade do ano, há atletas e até agremiações “ciganas”, que mudam de cidade quando seus “donos” bem entendem, sem saber o que será do dia de amanhã. Os árbitros são amadores, dependem de outro emprego para se sustentar. Se não fosse suficiente, o “organizador” do futebol brasileiro, a CBF (Confederação Brasileira de Futebol), vive para a Seleção, demonstrando pouco interesse nos campeonatos nacionais.
A Sportradar, a agência de monitoramento de apostas que citei no início do post, disse à BBC ter contratos para avaliar apostas em cerca de 55 mil partidas por ano, com algoritmos que cobrem 350 agentes globais de jogo, para detectar padrões suspeitos. Preocupações surgem em 1% dos casos, o que significa cerca de 500 jogos de futebol por ano. E no Brasil, será que tem alguém olhando? Façam suas apostas...
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