Royal Scots Grey, uma locomotiva histórica, movida a diesel, na Escócia |
Já falei um pouco aqui sobre o transporte coletivo urbano e aeroviário de Londres, que supera qualquer expectativa (veja o post “Ah, a infraestrutura”, postado em julho). Mas uma coisa me surpreendeu negativamente: a relação do país com o transporte terrestre de longa distância. O que eu esperava? Sempre ouvi falar da famosa rede ferroviária britânica, os pioneiros no mundo em transportar materiais e pessoas através de trilhos. A primeira estrada de ferro inglesa – e mundial –, com 40 quilômetros de extensão, começou a operar em 1820, em Darlington, no norte da ilha.
A rede continua aqui, embora bem menor do que já foi, mas andar de trem no Reino Unido hoje em dia não é nada barato e deixou de ser a opção mais popular. A alternativa? O que se vê por aqui é parecido com o que seguimos vendo no Brasil, a insistência em ir na contramão e abraçar o transporte rodoviário. Viajar de ônibus – ou até mesmo de carro – é quase sempre mais barato do que tomar o trem.
Passagem de trem, no horário de pico |
Derby fica 180 quilômetros a noroeste de Londres, trecho coberto de trem em uma hora e cinquenta minutos. Para se ter uma base de comparação do quanto significam esses valores aqui, o salário mínimo no Reino Unido está em torno de 1.100 pounds (R$ 4.290) por mês. Assim, uma viagem de ida e volta no horário de pico, em um trajeto de menos de 200 quilômetros, sai por 128 pounds (R$ 500), o equivalente a mais de 10% do salário mínimo.
Programar a viagem de trem com antecedência pode ajudar, mas não chega a resolver. A mesma passagem daqui a dois meses (6/02) custaria os mesmos 64 pounds (R$ 250) no horário de pico e um pouco menos, 39 pounds (R$ 150), no off-peak. É bom ressaltar que o nível do serviço prestado em geral é bastante satisfatório, pontual, cabines limpas e modernas, além de boas estações. Mas, como sempre, tem aquele componente britânico para causar estranheza... Ao comprar uma passagem pela internet, por exemplo, é preciso retirar o tíquete de papel nas máquinas disponíveis na estação. Até aí, tudo bem. Mas se você fizer uma alteração na passagem (mudança de horário ou dia da viagem), é preciso emitir um novo bilhete e pagar de novo. Aí você precisa imprimir as duas versões na máquina e – pasmem – enviar pelo correio a passagem antiga à empresa para receber o reembolso do que pagou por ela...
Pomba descansa sobre o a tela, na Victoria Coach Station, em Londres |
Primeiro é preciso dizer que o serviço prestado é pior do que o que estamos acostumados no Brasil – pelo menos nas regiões Sul e Sudeste, das quais posso falar por ser um usuário frequente. Os motoristas são britanicamente educados, os ônibus são novos, mas as viagens levam normalmente o dobro do tempo em comparação ao trem, atrasos são frequentes, não há lugares marcados, a limpeza está longe de ser o forte e as estações rodoviárias são um capítulo à parte...
A maior companhia chama-se National Express, com rotas nacionais e internacionais (é possível ir até a Bulgária de ônibus, embora uma viagem dessas de Londres a Sofia leve 26 horas). Até pelo preço, essa tem sido minha opção aqui na Inglaterra, o que às vezes pode ser um certo tormento. A principal rodoviária de Londres, por exemplo, é a Victoria Coach Station, que é bem central. Mas, claramente, a estrutura não acompanhou o crescimento no volume de passageiros transportados. É rotina ver as pequenas salas de embarque abarrotadas, com mais gente em pé ou sentada no chão do que na meia dúzia de assentos disponíveis. Ah, e até por ser quentinho lá dentro, é um dos destinos preferidos das pombas londrinas.
Vamos à comparação. A mesma viagem entre Derby e Londres pela National Express, amanhã (6/12), sai por 20 pounds (R$ 78) no horário de pico (saindo às 7h05), mas demora mais do que o dobro em relação ao trem, quatro horas e quinze minutos. No off-peak (parte às 9h10) custa um pouco menos, 15 pounds (R$ 58), e leva quatro horas. No caso do ônibus, o planejamento ajuda a reduzir bem os gastos. O mesmo trajeto daqui a dois meses (6/02) custa a bagatela de 5 pounds (R$ 19) em qualquer dos dois horários.
Ou seja, a viagem de ônibus no horário de pico sai por menos de um terço do preço do trajeto ferroviário no mesmo horário, neste mês, e em fevereiro o trecho off-peak custa 12% do valor do tíquete de trem. Não é pequena a diferença.
O Bentley anunciado por R$ 3.500 |
Com esses preços, quase todo mundo que quer tem um veículo. Em Londres é diferente – até por que não há onde estacionar o próprio automóvel, a maioria das habitações não tem garagem -, mas em Derby se vê bons carros parados mesmo na frente das casas mais modestas. É preciso dizer que para ser motorizado no Reino Unido é obrigatório ter seguro (o valor varia de acordo com a categoria e poder poluidor do veículo, além dos dados do motorista),quee parte de uns 500 pounds (R$ 1.950) por ano.
Por outro lado, não há sequer um pedágio nas estradas do país - o que existe é a cobrança urbana. Em Londres, por exemplo, há a chamada Congestion Charge, uma taxa instituída para combater os engarrafamentos, praticada em toda a região central da cidade, de segunda a sexta-feira, das 7h às 18h. A licença para circular durante um dia inteiro custa 10 pounds (R$ 39), se paga antecipadamente.
Se eu comprei um carro? Sem uma carteira de motorista britânica ou europeia, o seguro fica, digamos, um pouco caro – em torno de uns 2.000 pounds (R$ 7.800) por ano. Assim, continuo mesmo a andar de ônibus...
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