Lived a man who sailed to sea,
And he told us of his life,
In the land of submarines,
So we sailed on to the sun,
Till we found the sea green,
And we lived beneath the waves,
In our yellow submarine”*
Albert Dock |
Primeiro o inevitável: é claro que a cidade respira Beatles e há memorabilia à venda por todas as partes. O Cavern Quarter – onde ficava o The Cavern Club, primeiro palco dos Beatles, demolido em 1973 para construção de um estacionamento -, é o epicentro para os fãs, com uma série de restaurantes e bares temáticos. A principal exposição sobre o quarteto (The Beatles Story Exhibition), porém, fica na Albert Dock, um gigantesco complexo de docas que é o polo cultural de Liverpool, cercado de armazéns de tijolinhos vermelhos transformados em restaurantes, bares e museus. Instrumentos, roupas, discos, cartazes e até uma réplica do Cavern Club original estão lá.
The Beatles Story Exhibition |
Para um brasileiro que tem algum conhecimento da desgraça da escravidão, a novidade está em um relato pormenorizado de uma viagem do Essex, um navio negreiro que fazia o chamado Comércio Triangular, no ano de 1783. Levava tecido, armas e ferragens para a costa africana, onde eram trocados ou comercializados para comprar escravos. Esses eram levados cativos para a América, onde eram vendidos. O veleiro enchia os porões de açúcar, algodão e café e retornava a Liverpool, para aferir os lucros e recomeçar o périplo.
Edifício do Port of Liverpool |
O Essex partiu de Bassa Cove com 330 africanos escravizados. Depois de uma travessia do Atlântico que levou 51 dias - classificada pelo capitão como “eventful” (agitada) -, 282 sobreviveram à viagem (48 ficaram pelo oceano). Ou seja, quase 30% da tripulação do veleiro e 15% dos cativos não completaram a viagem...
Mestre Pastinha, no hall da fama |
O tráfico negreiro enriqueceu Liverpool e deu o impulso para que a cidade se tornasse um poderoso centro marítimo nos séculos seguintes, o que é retratado no mesmo prédio, no Merseyside Maritime Museum. Entre meados do século XIX e XX, nove milhões de imigrantes partiram desse porto na costa oeste inglesa para fazer a América – irlandeses, escoceses, ingleses, noruegueses, judeus do Leste Europeu e outros. Toda essa gente sendo transportada pelo oceano fez a fortuna das grandes companhias de navegação da cidade, que no começo dos 1900 se lançaram a construir os grandes transatlânticos.
Propaganda da White Star |
No mesmo museu marítimo uma ala inteira conta a história de uma parte terrível e pouco gloriosa da Segunda Guerra Mundial, a Batalha do Atlântico. Sendo uma ilha, em 1939 a Grã-Bretanha dependia do comércio marítimo para obter 100% do petróleo, boa parte da matéria-prima para a indústria e metade da comida para alimentar seus 48 milhões de habitantes. Os alemães, claro, sabiam disso, e colocaram em prática um plano para sufocar os britânicos pela escassez: uma frota de submarinos (chamados de U-boats) foi despachada para o Atlântico, para afundar o maior número possível de navios mercantes que encontrasse pelo caminho.
Nos primeiros anos do conflito a estratégia funcionou muito bem. Sem navios de guerra suficientes para escoltar os comboios, os ingleses viam sua frota comercial minguar dia após dia. Para piorar, os alemães inutilizaram o porto de Londres, bloqueado por minas aquáticas, obrigando a Inglaterra a desviar o fluxo para a costa oeste, especialmente para Liverpool.
Cartaz de recrutamento alemão para os U-boats |
A luta pela supremacia no oceano começou lentamente a pender para o lado inglês a partir de 1941, com um acontecimento fortuito. Engajando em combate o U-boat 110 na costa da Groenlância, o HMS Bulldog (um navio da Royal Navy) conseguiu capturar o submarino intacto, incluindo um exemplar da Enigma, a máquina usada pelos alemães para codificar todas suas mensagens militares . De posse da geringonça, os ingleses quebraram o código e passaram a estar sempre um passo à frente no campo da informação - o fato não foi descoberto pelos germânicos até o final da guerra.
No ano seguinte, com os Estados Unidos já no conflito, os britânicos conseguem equilibrar a Batalha do Atlântico quando o governo Roosevelt põe em andamento o maior programa de construção de navios da história – 750 em 1942 e 1.500 em 1943, em média três novas embarcações por dia. Em resumo, os americanos estavam produzindo navios mais rápido do que os alemães conseguiam afundar.
Mark VIII, torpedo da Royal Navy contra U-boats |
Mas o papel de Liverpool na guerra ainda não tinha acabado. Nos meses que antecederam o Dia D, a cidade tornou-se o principal porto para desembarque dos GIs americanos. Cerca de um milhão de soldados vindo dos Estados Unidos passaram por ali, trazendo com eles chicletes, gel para o cabelo, cigarros e os últimos discos de Rhythm & Blues, a base do que na década seguinte viria a ser conhecido por Rock & Roll...
Para mim, é nessa hora que tudo se encaixa. Quase consigo ver um adolescente topetudo entrando em um pub esfumaçado do Meyerside, atrás de um pacote de Lucky Strikes, já atrasado para o ensaio da sua recém-criada banda de skiffle. Atrás do balcão, o velho marinheiro empurra o cachimbo para o canto da boca e tenta puxar assunto, enquanto desliza o maço de cigarros e recolhe as moedas.
O garoto de óculos já tinha escutado tudo aquilo inúmeras vezes, os anos na marinha mercante, o quanto era dura a vida no mar durante a guerra e como certa vez o barco em que o velho servia tinha conseguido afundar um U-boat alemão, usando cargas de profundidade.
Le Sous-marin Jaune |
*A letra é de Yellow Submarine. Traduzindo, seria algo assim:
“Na cidade em que eu nasci,
Viveu um homem que ganhou o mar,
E ele nos contou sobre sua vida,
Na terra dos submarinos,
Então nós navegamos em direção ao sol,
Até encontrarmos o mar de verde,
E vivemos entre as ondas,
No nosso submarino amarelo”
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