terça-feira, 13 de maio de 2014

Entre os filhos da águia

Bandeira albanesa e Skanderbeg, no centro de Tirana
À primeira vista, a Albânia pode ser um lugar confuso. Para começar, quando concordam com você os albaneses chacoalham a cabeça de um lado para o outro, no que para o resto do mundo significa uma negativa. Se discordam, o sinal é oposto, no que parece um lento e assertivo sinal positivo. As placas – não que existam tantas por lá - têm duas versões: quando você chega a uma cidade, por exemplo a capital, vai se deparar com a indicação “Tirana”. Mas se estiver a caminho, na estrada, só vai encontrar “Tirane”, que na gramática albanesa significa “para Tirana”. Bom, lugares simples não costumam ser muito interessantes mesmo...
A Albânia é um lugar sui generis no mundo, a começar pela língua. O albanês é o único idioma nos Balcãs pré-romano e eslavo – claro que sofreu influência dos dois, além do turco, mas tem origem em um povo indo-europeu que ocupava a região antes de todos os outros, os ilírios, que chegaram lá por volta de 200 Antes de Cristo. O próprio nome do país em albanês é diferente – Shqipëria (pronuncia-se “ship-ree-ia”) – que significa “Terra das Águias”, símbolo que está até na bandeira, uma águia de duas cabeças negra sobre o fundo vermelho. Os albaneses, na própria língua, se denominam shqiptars, “filhos da águia”.
A razão dessa denominação é poética. Reza a lenda que um jovem albanês estava caçando nas montanhas quando viu uma grande águia carregando uma cobra no bico, em direção ao ninho, onde descarrega a presa e voa novamente. Ele sobe à árvore e encontra um filhote de águia acuado pela cobra, que ainda estava viva. O albanês mata o réptil com o próprio arco e recolhe o filhote, levando-o consigo. A caminho de casa, o jovem é interceptado pela águia mãe, que exige o filho de volta. Ele se recusa, dizendo que agora o pequeno era dele, uma vez que a mãe não tinha sido capaz de protegê-lo. Em troca do filhote, a águia oferece o poder das próprias asas e a acurácia da sua visão, com o que ela diz que o albanês se tornaria invencível. Ele aceita, sendo daí em diante guiado e protegido pela ave, agora ele também transformado em um “filho da águia”...
Mural na Praça Skanderbeg, dos guerreiros ilírios aos partisans
Poesia à parte, desembarco em Tirana no domingo de Páscoa. Ao chegar ao hotel – na verdade uma pensão -, sou carinhosamente recebido pela proprietária, Antonieta, uma senhora na casa dos sessenta e poucos anos, que sorrindo concorda negativamente com tudo o que eu digo. Junto com as chaves do meu quarto, ganho uma generosa fatia de pão doce e um ovo cozido pintado de vermelho, “porque hoje é Pascoa”. Não é o que se poderia esperar de um país em que 70% da população é muçulmana. Mas até nisso a Albânia é diferente.
Sob o domínio dos romanos, os albaneses tornaram-se católicos, mas isso mudaria depois da batalha que serviu para definir conflitos nos Balcãs pelos próximos 600 anos, no Kosovo, em 1389. Uma força cristã combinada de sérvios, montenegrinos, bósnios, húngaros, romenos e albaneses é derrotada pelo exército otomano, abrindo as portas da Europa para o domínio turco. A Albânia, porém, só seria submetida ao controle do sultão quase cem anos depois.
Ao caminhar pela praça principal de Tirana, a figura única de um cavaleiro barbudo, de espada em riste, domina o cenário. É Skanderbeg, o maior herói albanês, um nobre que resistiu aos turcos por 25 anos, sitiado em seu castelo de Kruja, no interior do país. Ele venceu todas as 25 batalhas que lutou contra os otomanos - eles só conquistaram a Albânia em 1479, 26 anos depois da morte do cavaleiro (de malária, não em combate). Os albaneses se orgulham de dizer que são os verdadeiros salvadores da Cristandade, por terem mantido as forças turcas ocupadas durante tanto tempo no período em que eles estavam no auge do poder, desviando a atenção do resto da Europa.
A partir daí, à semelhança do que fizeram os bósnios, a maioria dos albaneses adota a fé muçulmana, uma forma de facilitar a própria vida durante os 500 anos de dominação turca. Assim, por exemplo, eles conseguiam fugir do chamado “tributo de sangue”, regulamento que exigia das famílias cristãs nas províncias otomanas a entrega de um filho homem para servir no exército ou burocracia administrativa do império.
Café no centro de Tirana
O movimento de independência albanesa teve início em 1878, quando surge a Liga Albanesa de Prizren (uma cidade que atualmente fica no Kosovo), um movimento nacionalista derrotado militarmente pelos turcos logo em 1881, mas que serviu para estabelecer uma gramática única para a língua albanesa, até então inexistente. A independência viria em 1912, no desintegrar do Império Otomano, mas em 1939 a Albânia sofre nova invasão, dessa vez pelos italianos, em meio ao delírio de Mussolini de restabelecer o Império Romano.
Dois anos depois entraria em cena a figura que ia dominar o cenário político pelas próximas cinco décadas, Enver Hoxha, ao fundar o Partido Comunista Albanês. Nascido em uma família de classe média em Gjirokastra, no sul da Albânia, ele frequentou primeiro uma escola francesa e depois americana, em Tirana, e nos anos 30 vai a Paris, cursar a universidade.
Hoxha comanda a guerrilha durante a Segunda Guerra Mundial, primeiro contra os italianos, até 1943, depois contra os alemães, quando a Itália muda de lado. De novo, os albaneses se orgulham do seu papel na luta contra o fascismo – os 70 mil partisans comunistas detiveram 15 divisões alemãs estacionadas na região durante o conflito, ajudando a drenar forças nazistas de outras frentes. A Albânia e a Iugoslávia de Tito, aliás, foram os únicos dois países que conseguiram se libertar dos nazistas sem ajuda direta de tropas russas.
Com a vitória, ao fim da Segunda Guerra, Hoxha estabelece a República Popular da Albânia, em 1946. Tito tentou atrair os albaneses para a recém-criada Iugoslávia, para ser a sétima república da federação (ao lado de Sérvia, Croácia, Eslovênia, Bósnia, Montenegro e Macedônia), mas o novo ditador tinha outros planos. Ao mesmo tempo em que os iugoslavos se afastam de Moscou, a Albânia se aproxima da União Soviética, colocando em prática um modelo econômico nos moldes stalinistas.
Praça Skanderbeg ao entardecer
Eu também tinha outros planos, e depois de deixar a mala na pensão saio pelas ruas de Tirana, em busca de uma passagem para Berat, a incrível Cidade das Mil Janelas no sul do país, que eu planejava visitar nos próximos dias. Meu guia de viagem dizia que a capital não tinha exatamente uma rodoviária, mas que os ônibus – ou vans – partiam de um ponto próximo à estação de trem.
Seguindo o mapa, chego à estação ferroviária, mas ao seu lado só encontro um terreno baldio, cheio de entulho e barro revirado. Dentro do saguão de onde deveriam partir os trens, uma família de ciganos parece instalada para ficar, ocupando o centro do recinto com uma tenda e uma pequena fogueira, onde um caldeirão fervia. Vou até o que seriam as bilheterias, mas os pontos de venda de passagens não são mais do que buracos gradeados, vedados por madeira compensada já enegrecida pelo tempo – ou pela fumaça da fogueira cigana. É, o serviço ferroviário albanês não parecia estar muito ativo...
Saio da estação e busco informação nas barraquinhas da vizinhança, em uma padaria, com dois motoristas de táxi, mas não encontro ninguém que falasse inglês. Finalmente entro em uma agência de viagens, onde uma moça solícita, em um inglês fluente, me explica que já há algum tempo os ônibus não partem mais dali. Ela também não sabia de onde, dizendo que isso “mudava constantemente”. O melhor a fazer, me disse, era entrar em um táxi e pedir para o motorista me levar aos ônibus que vão para Berat. Para garantir, ela escreve a fala em um papel, em albanês.
A casa da "dívida de sangue", à beira do Rio Lana
Com isso dou por encerrada minha busca e volto para o hotel. Subindo as escadas, sou interceptado por Antonieta, que quer saber se estou bem. Conto minha saga e ela balança a cabeça de um lado para o outro, concordando sempre negativamente comigo. Pega o telefone e em cinco minutos descobre os horários, de onde saem, e agenda um táxi para me levar até os ônibus, dois dias depois.
Hospitalidade é uma coisa muito séria na Albânia. Tão séria que, ao lado da honra, ocupa o topo da escala de valores definidora de um código de conduta que regeu a vida albanesa durante quase 500 anos. É o chamado Kanun, uma detalhada constituição de 1.261 artigos formalizada no século XV, que estabelece princípios claros de como se portar no dia-a-dia. Trabalho, casamento, propriedade, economia, está tudo coberto em detalhes.
De acordo com o Kanun, a hospitalidade é vista como algo tão importante que o visitante torna-se uma figura quase divina. Há 38 artigos estabelecendo como ele deve ser tratado, com abundância de comida, bebida e conforto. Entre os procedimentos está a exigência de que um integrante masculino da família escolte o hóspede até o limite de sua propriedade, para garantir seu bem estar. Se o visitante for morto dentro das fronteiras da família, por exemplo, torna-se dever de um homem desse núcleo vingar sua morte, mesmo que a vítima seja só um desconhecido que pediu abrigo apenas por uma noite.
A chamada “dívida de sangue” é um dos pontos mais sombrios do Kanun. Conectados fortemente ao conceito de honra, os albaneses que seguem o código matam sem pensar muito, ao se sentirem ofendidos. E o problema é que uma morte abre um ciclo de vendetas que se estende por gerações – um integrante masculino da família do morto deve assumir a obrigação de vingar o assassinato, que, ao se cumprir, por sua vez desencadeia nova obrigação de vingança, e assim por diante. A questão só tem fim quando o último homem (no que se incluem crianças acima dos sete anos) da família ofensora estiver morto, ou quando uma reconciliação é negociada pelos membros mais velhos e respeitados da comunidade.
Mini bunker na região central de Tirana
Ainda que duramente combatido durante os anos de comunismo, o Kanun ainda é seguido por parte dos albaneses - um exemplo vivo disso pode ser visto até mesmo em Tirana. No início dos anos 2000 o prefeito da capital colocou em andamento um choque de ordem, na tentativa de melhorar um pouco o aspecto cinzento e decrépito da cidade, pintando dezenas de prédios em cores vivas e retirando das margens do Rio Lana as edificações ilegais. Mas se você caminhar pela beira do rio na direção oeste, vai encontrar apenas uma casa térrea cinzenta, que não foi demolida. É porque ali está em andamento uma dívida de sangue. As mulheres da família podem entrar e sair à vontade, mas os homens não podem deixar a residência (onde, estipula o Kanun, estão a salvo), porque serão assassinados...
O projeto de revitalização do prefeito deu algum resultado, adicionando um pouco de cor à arquitetura dominada pelos blocos de apartamentos ao estilo soviético, uma série interminável de caixotes horizontais de concreto - mas não foi muito além. Vê-se em Tirana algum movimento de construção civil, com arranha-céus subindo em volta da Praça Skanderbeg, mas no geral a sensação é de que o comunismo acabou anteontem. Não foram cinco meses, mas quase 50 anos de ditadura. E em algumas conversas que tive pelos Balcãs, o ditador albanês é colocado no topo do ranking de malignidade, ao lado do romeno Nicolae Ceaucescu.
A Albânia foi durante décadas um dos países mais fechados do mundo, nos moldes do que a Coréia do Norte é hoje. Admirador de Stálin, Enver Hoxha colaborou com a União Soviética até 1960, quando Krushev exige uma base de submarinos em Vlora, no litoral sul albanês. Enxergando no secretário-geral do Partido Comunista Soviético uma mão fraca, ele nega o pedido e se afasta dos russos, voltando-se para a China.
Bunkers no caminho, até no quintal das casas
Entre 1966 e 1967 a Albânia experimenta um processo de revolução cultural à la chinesa, com igrejas e mesquitas sendo saqueadas e destruídas, coletivização da agricultura, funcionários públicos exilados em áreas remotas e jovens fanáticos assumindo posições de destaque no governo. Antonieta me fala com horror do período, balançando a cabeça em uma negativa enfaticamente positiva.
Naqueles anos o endurecimento do regime ganha novas proporções. Uma pessoa pega ouvindo uma rádio estrangeira podia ser condenada a dez anos de trabalhos forçados nas minas de cromo. “Ir à igreja dava sete anos de cadeia”, conta Antonieta. Aproveito a deixa e pergunto se ela é cristã, para entender meus presentes de Páscoa. “Sim, sou católica. Mas aqui convivemos bem... Meu marido é muçulmano, meu pai também era, minha mãe católica”.
Durante esse período, ela relembra, música chinesa tocava “o tempo todo” no rádio. “Não temos nada a ver com eles, é do outro lado do mundo...” Ah, e usar jeans também era proibido.
Depois da invasão soviética da Tchecoslováquia em 1968, para colocar fim à Primavera de Praga, Hoxha tira a Albânia do Pacto de Varsóvia, a aliança militar dos Estados comunistas, e o país fica ainda mais isolado. Nessa época a paranoia do ditador alcança novos patamares e começam a pipocar as mais sólidas heranças malditas do regime, os mini bunkers.
Casarões otomanos de Berat, a Cidade das Mil Janelas
No dia seguinte, da van a caminho de Berat (que tomei de um terreno baldio no oeste de Tirana, fazendo as vezes de rodoviária no dia), eu veria muitos deles. Verdadeiros cogumelos de concreto, os mini bunkers foram pensados como peça chave da política de auto defesa de Hoxha contra invasores estrangeiros. Na falta de armas modernas ou aliados poderosos próximos, o ditador encarregou uma equipe de engenheiros de criar uma estrutura praticamente indestrutível, para ser replicada por todo o país, uma pequena fortaleza de onde um ou dois albaneses armados de fuzis poderiam resistir até a blindados.
Antes de dar a aprovação final à estrutura, Hoxha exigiu que o engenheiro-chefe do projeto permanecesse dentro de um dos bunkers, sob o bombardeio de um tanque de guerra. O homem saiu da experiência meio trôpego, mas intacto, e o plano de construir 60 mil unidades dos pequenos cogumelos cinzentos foi adiante.
Olhando pela janela, em qualquer estrada albanesa, eles estão por todos os lados. O problema é que não ocupam apenas pontos estratégicos, muitas vezes estão no meio de pastagens, lavouras e até quintais de casas. Projetados para resistir a tudo, são caros e difíceis de remover. Com uma picareta, um homem comum tem que dedicar uns três meses de trabalho árduo nas horas vagas para demolir um mini bunker, só para abrir espaço na garagem de casa para um carro, por exemplo. Mas como não há nada que seja de todo mau, muitos albaneses confessam ter perdido a virgindade dentro de um deles...
Uma ds vinhas-trepadeiras de Berat
Chego a Berat no final da manhã, uma viagem de pouco mais de duas horas a partir de Tirana, e parece outro mundo. A Cidade das Mil Janelas é uma das poucas que os comunistas mantiveram intactas, livres dos blocos de concreto. Os casarões otomanos de paredes brancas continuam ocupando as ladeiras em meio a vinhas plantadas como se fossem trepadeiras, no meio da cidade mesmo, como há 500 anos.
Lá experimento mais um pouco da hospitalidade albanesa, recebido pelo dono do hotel em que fiquei, Nasho Vruo. Um senhor de quarenta e tantos anos, Nasho fala alemão, francês e italiano, além de albanês, mas nada de inglês. Va bene, fazendo uso de um italiano de novela das oito, eu me viro. Ele faz questão que eu prove seu vinho – uma tradição em Berat, a maioria das casas produz a própria bebida.
Ao final de um longo dia de subidas e descidas, incluindo uma escalada ao castelo que domina a cidade do alto, no flanco norte, observo o pôr do sol da minha varanda, com as montanhas nevadas no horizonte. Lá embaixo, ao longo do rio, o movimento do korzo diário ganha volume, um caminhar para cima e para baixo da avenida principal, sem muito mais objetivo do que ver e ser visto. Ao fundo, o chamado rítmico dos muezins para a oração do entardecer começa a subir das mesquitas.
Retorno a Tirana no dia seguinte pela manhã, dessa vez uma passagem relâmpago, suficiente só para esperar meu ônibus para o próximo destino. Mas havia tempo para uma caminhada pelo chamado Bloku, a área ao sul do Rio Lana que nos tempos de Hoxha era território proibido para o albanês comum.
Depois da morte de Mao Tsé Tung (em 1976) e as mudanças que começaram as reformas modernizadoras na China, a partir de 1978, Hoxha põe fim à relação da Albânia com os asiáticos, afundando a economia local na crise e levando até à falta de comida. Nesse período, em que o país não tinha mais aliados, o ditador se encerra nos seus quarteirões fortificados, enquanto o resto do país caminhava para o colapso.
Restaurante no Bloku, em Tirana, bairro de elite à la albanesa
Ali, no Bloku, fica o edifício de onde ele governava e assistia a paradas militares da sacada, além da residência em que vivia - o curioso é que ela não tem nada de luxo, parece uma daquelas casas de classe média construídas nos anos 50 no interior de São Paulo, pintada de bege e cercada por um jardim. O Bloku é hoje o destino dos endinheirados de Tirana, mas à moda albanesa. Ao lado de prédios modernos, cafés e restaurantes da elite ocupam o pavimento térreo, com carros importados estacionados em frente. Mas no segundo andar, você vê paredes de tijolo aparente, com o teto coberto por telhas de amianto e roupas penduradas para secar nas janelas.
Hoxha morreu em 1985, mas o regime se manteve, ainda que caindo aos pedaços. As pessoas não iam mais trabalhar, simplesmente porque o salário que recebiam não era suficiente para comprar quase nada. Ali no Bloku, logo do outro lado da ponte, encontra-se um dos símbolos mais bizarros do regime, uma enorme pirâmide de concreto projetada pela filha do ditador, construída em 1988 para abrigar um museu em homenagem ao ex-governante. A estrutura já foi um centro de conferências e uma boate, mas hoje está abandonada e coberta por graffitis – virou ponto de encontro da juventude de Tirana, que costuma escalar a pirâmide para ouvir música e desfrutar da vista.
O regime comunista só entrou em colapso definitivo em 1990, depois da queda do Muro de Berlim, quando mais de 4.000 albaneses buscam asilo em diversas embaixadas de Tirana. No ano seguinte, às vésperas da primeira eleição democrática, 20 mil albaneses aproveitam a abertura das fronteiras e fogem em barcos para Brindisi, na Itália.
A pirâmide do Bloku, em Tirana
Em 1992, o comunismo chega oficialmente ao fim na Albânia e o país vive uma transição brutal e sem escalas para o livre mercado. Aproveitando a desordem, albaneses estabelecem a prática de roubar Mercedez na Alemanha e trazê-los para território albanês, onde passam a circular livremente (muitos ainda estão por lá até hoje, visíveis nas ruas). Fazendas coletivas são transformadas em plantações de maconha e o porto de Vlora torna-se um dos principais pontos de entrada de imigrantes ilegais da Ásia e do Oriente Médio na Europa. As cidades albanesas incham do dia para a noite, infladas por camponeses vindos do interior, finalmente livres para ir e vir.
Em 1996, um esquema financeiro de pirâmides estimulado pelo próprio governo entra em colapso e 70% da população perde suas poupanças, um prejuízo estimado em US$ 1 bilhão. O ódio toma as ruas, depósitos de armas das forças armadas são tomados à força, fuzis, metralhadoras, granadas, tanques e até jatos de combate são levados. Armada, a população sai pelas ruas saqueando o que encontra pela frente.
As coisas começam a melhorar levemente a partir de 2002, com a entrada de dinheiro europeu investido em bancos e na construção civil, mas até hoje falta de água e energia acontecem até na capital. A presença norte-americana na Albânia também aumentou de lá para cá e bandeiras dos Estados Unidos são comuns em Tirana. Em abril de 2009 o país passa a integrar a Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), a aliança militar do ocidente.
Casa onde vivia o ditador Enver Hoxha, no Bloku
Para o meu alívio, a estrutura para as viagens internacionais é um pouco mais organizada - meu ônibus para Pristina tem até um ponto determinado de partida, ao lado do Tirana International Hotel. É hora de deixar a Albânia, em direção ao Kosovo.


Carreguei no YouTube um vídeo curto  do entardecer em Berat:
https://youtube.com/watch?v=jXhXq5OLayI

Bibliografia:
O escritor albanês Ismail Kadare, ganhador do Prêmio Nobel de Literatura, oferece uma descrição viva do Kanun em um dos seus livros, Abril Despedaçado. A obra foi adaptada ao cinema pelo diretor brasileiro Walter Salles, substituindo as montanhas da Albânia pelo sertão nordestino, no filme de mesmo nome, de 2001.

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