Minaretes da Süleymaniye Mosque, de onde vem o chamado à oração |
Maria, Alcorão, 19:23 (traduzido da versão em inglês)
Chego à Sultanahmet Mosque por volta das quatro de uma sexta-feira, logo após o término da prece do meio da tarde. Mais conhecida como Mesquita Azul por causa dos azulejos no seu interior, o templo é talvez o mais popular de Istambul e um dos principais destinos turísticos da Turquia, embora siga cumprindo normalmente o papel de casa de oração, e uma dos maiores do país. Já visitei outras mesquitas e conheço o procedimento: para os homens não muçulmanos, tirar os sapatos e estar decentemente vestido (nada de bermudas ou regatas). Ali, porém, há ainda uma entrada separada destinada a quem não veio para rezar.
Interior da Mesquita Azul |
Dentro da Mesquita Azul, com suas paredes cobertas pelos azulejos famosos e o chão todo acarpetado, um cercado de madeira separa os fiéis dos turistas e suas máquinas fotográficas, para preservar um pouco de ordem. Também por isso não são permitidas visitas durante os horários de oração. No canto esquerdo do cercado, porém, um sinal iluminado em letras garrafais, em inglês, chama minha atenção: Islamic Information Center Come In (Centro de Informação Islâmico Entre).
Eu me aproximo e me deparo com um convite, também em inglês, que traduzo: “Caro visitante, Bem vindo à Mesquita Sultanahmet. Você está em um dos maiores locais de oração do Islã, que é a segunda maior religião da humanidade. Portanto, nós consideramos nosso dever recebê-lo, se você quiser conhecer o Islã (...) Nós respeitamos opiniões diferentes. Nossos dois princípios do Alcorão, o Livro Sagrado do Islã, são ‘Não há obrigatoriedade em religião’ e ‘Acima de todo possuidor de conhecimento há um Conhecedor’. Assim, se você é um visitante Cristão, Judeu, Hindu, Ateu, Agnóstico, ou membro de outra religião, entre só para dizer olá, tenha uma conversa amigável conosco ou pegue algumas brochuras. Você também pode fazer perguntas, básicas ou avançadas. Tudo de graça. E você terá um amigo na Turquia. Obrigado por visitar.”
Islamic Information Center: "Come in" |
Com planos de visitar uma Cisterna bizantina do século VI ainda naquele dia, peço desculpas e pergunto se estarão abertos no domingo. “Isso é uma mesquita, está aberta todos os dias”, responde, ainda sorrindo. Explico que na verdade quero saber sobre o Centro de Informação. Ouço que sim, e em seguida ele se apressa a me entregar um exemplar de bolso do Alcorão, um Guia para entender o Islã, um manual sobre o ritual de orações e mais dois ou três folhetos, tudo em inglês. Agradeço e prometo voltar no domingo.
Quando retorno, dois dias depois, pouco depois das duas da tarde, a Mesquita Azul está ainda mais cheia. Ainda do lado de fora, uma fila se forma em frente à porta dos visitantes, onde turistas se encolhem ao longo do muro lateral, na tentativa de escapar dos primeiros pingos da chuva que vem da Ásia, cruzando o Bósforo. Quando consigo entrar, vou direto à sala na lateral do cercado. Ao passar pela porta, encontro o sacerdote em meio a uma oração, rodeado por quatro homens. Ele levanta os olhos e faz um aceno para mim com a cabeça, sem interromper a reza, que entendo como um convite para entrar e sentar. A prece acaba, duas pessoas se despedem e saem – e eu me aproximo.
O imã da Mesquita Azul (esq.) em ação, dentro da sua salinha |
Nesse ponto a conversa é interrompida pela entrada de um homem de traços ocidentais, descalço, com uma vasta cabeleira encaracolada. Em inglês, com um carregado sotaque italiano e sem muita delicadeza, ele interrompe meu papo com o imã. Quer saber como rezar na mesquita, mesmo não sendo muçulmano. Ishak olha para os pés do homem, encardidos e sem meias, e começa a explicar que, antes da oração, é preciso se limpar... Eu me contenho para não rir, enquanto o italiano ameaça perder a calma, perguntando se não poderia rezar sem se lavar.
O sacerdote explica que este é um preceito válido para os muçulmanos, mas que se ele quer rezar em um templo do Islã, seria interessante respeitar as duas formas de limpeza antes de ir à mesquita, e segue: “Após manter uma relação sexual ou quando ‘algo ruim’ acontece em um sonho, é preciso tomar um banho completo, deixando a água entrar e sair da boca por três vezes”. Se nada disso aconteceu, basta lavar o rosto, os pés, as mãos, as orelhas e enxaguar a boca. O italiano agradece, meio contrariado, e deixa a sala.
Maria e Jesus entre Maomé (esq.) e Alá (dir.), na Hagia Sophia |
Pergunto ao imã se de fato os muçulmanos acreditam nela e ele me confirma, acrescentando mais. Maria (Mariam para os islâmicos) é um dos maiores símbolos de virtude feminina no Islã e é citada diversas vezes no Alcorão - o livro sagrado para os muçulmanos (como no trecho no início do post) -, por ter se submetido a Alá sem questionamentos. Uma homenagem a ela está inscrita em toda e qualquer mesquita, e em um lugar de honra, o Mihrab – uma espécie de altar que indica a direção de Meca, para o qual os fiéis dirigem suas orações.
E não é só isso. Os muçulmanos acreditam também em Jesus (conhecido como Isa), embora de forma diferente dos cristãos. Para o Islã, o imã me explica, ele não é o Messias, o filho de Deus, “porque Alá não precisaria enviar um filho à terra, somos todos seus filhos”. Cristo é para eles mais um profeta, que teria tido suas palavras mal interpretadas e “adulteradas” por quem o ouviu.
Mihrab da Mesquita Azul (centro), onde fica a homenagem a Maria |
Depois de mais de uma hora de conversa, agradeço a atenção de Ishak e me despeço. Ele aperta minha mão e me entrega seu cartão, decorado com as graciosas formas de um dos azulejos presentes na Mesquita Azul. No pequeno pedaço de papel, além do seu nome completo e cargo em inglês ("Iman of the Blue Mosque"), consta o telefone do templo, um número de celular e um e-mail do Yahoo. Satisfeito, deixo a sala e me dirijo para a saída do templo, não sem antes me aproximar do Mihrab. Lá fora, enquanto visto meus sapatos, as nuvens sumiram e o sol brilha sobre Istambul.
Carreguei no YouTube um vídeo curto com o chamado para a oração do entardecer, na Süleymaniye Mosque: http://youtu.be/ZiNCWHIohRI
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