sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Um dia no pub

O beco
Nem sei por que me aventurei a entrar na viela que partia do Sadler Gate. Fazia um calor feroz em Derby (acreditem, 28 graus) e a sombra do beco parecia agradável. Eram duas e meia da tarde e no meio do beco havia um pub.
A porta estava aberta e o sol da tarde entrava com gosto, iluminando pela metade um cachorro esparramado no chão, lá dentro. O balcão cheio de torneiras reluzentes pareceu irresistível. Entrei.
No que coloquei o pé na soleira do pub o cachorro levantou a cabeça e olhou pra mim, prontamente advertido pelo dono do lugar, sentado em uma mesa encostada à parede, oculto para mim até então: “Tobby!”.
No interior do pub só havia três seres: o proprietário, um homem de uns 70 anos, cozido pelo calor, observando um pint de Coors Light esquentando no balcão, e o Border Collie branco, com uma mancha no meio das costas e uma máscara negra que tomava todo um lado da cabeça, preteando um olho e uma orelha, dando um ar maroto ao bicho.
As torneiras e o balcão
Do lado de lá do balcão, uma garota de vinte e poucos anos chega da cozinha, usando um shorts jeans preto e um biquíni listrado sob a regata, de cabelo preso em um rabo de cavalo. Em seguida aparece outra, de idade semelhante, também de shorts e regata, bem magra e com um olhar sorridente.
A primeira garota me pergunta o que eu vou querer. Escolho uma lager britânica, a Carling. Tudo parece congelado por um instante, o dono do pub recostado à parede, Tobby cochilando no sol e o senhor cozido pescando no balcão, enquanto meu pint é servido.
Mas antes de eu alcançar a metade do copo eles começam a chegar.
Tobby, à vontade entre os amigos
O primeiro usava um estranho capacete de rugby na cabeça, calças pretas e uma pesada jaqueta de nylon, apesar do calor. Depois de cumprimentar o dono, ele se senta na ponta do balcão e começa a se divertir ensinando truques ao Tobby, com uma agilidade notável para a terceira idade.
Logo em seguida aparece um senhor distinto, pouco além dos 60 anos, cabelos grisalhos e um elegante blazer de cor bege, com um ar de Paul Newman nos seus melhores dias. Ele afaga a cabeça do Tobby e se senta à mesa do dono.
O terceiro elemento a adentrar o pub usava óculos quadrados - no que alguém poderia enxergar um artigo vintage, mas claramente não ele. Encosta-se ao balcão, do meu lado, e pede “half a pint” de Strongbow (uma cidra que infelizmente já tive o desprazer de confundir com uma cerveja) e uma dose de whisky. O shot, generoso, é bebido rápido, em dois goles. A cidra ele faz durar, deixando o líquido gasoso descer devagar pela garganta.
O dono do pub (à esq.), entretendo seus convidados
O quarto é um homem gordo, trajando uma camisa de listras horizontais azuis, cinzas e brancas, com um generoso bigode embranquecido estilo leão marinho, óculos e um boné azul escuro. Ele se senta também na mesa do dono e pede uma cidra (Thatchers).
Nesse meio tempo já se passaram alguns minutos e Tobby desfila, faceiro, pelo pub, recebendo atenção hora de um, hora de outro visitante, inclusive de mim. Minha Carling está quase no fim e a loirinha magra me pergunta: “What are you waiting for? (O que você está esperando?)”
Absorvido pelo ambiente, não entendo de primeira e solto o clássico: “I beg your pardon? (Me desculpe?)”.
O que ela queria era me servir o segundo pint. Peço uma McEwan’s, que um folheto no balcão apresenta como uma “Extra cold authentic Scottish lager”, em promoção “all day” por 1,75 libra. Infelizmente, ela me diz que tem, mas acabou. Na promoção, mesmo, só a Coors Light, que o senhor cozido do lado ainda deixava esquentar à sua frente.
Coors Light, na promoção "all day"
Ela me pergunta se eu conheço e eu digo que sim, claro, “American lager” e tal. A loirinha parece sentir a minha desconfiança: “It’s actually brewed across town... (“Na verdade é produzida do outro lado da cidade...”). O argumento – e o preço – são suficientes para vencer meu preconceito contra as cervejas americanas e peço um pint.
Nisso chega o quinto personagem, corcunda, de camisa polo azul clara, bermuda cinza e mocassins azuis – ele parece o mais adaptado ao calor entre todos. Ocupa uma cadeira na mesa do dono, que nesse momento pede à loira magrinha um pint de Coors Light.
Ele só estava esperando o time ficar completo. Do silêncio pensativo, passa sem estágio intermediário a uma atividade frenética, falando sem falar, dirigindo-se alternadamente a cada um dos presentes, como que preocupado em entreter seus convidados. Tobby caminha calmamente até o pé da mesa e se deita, atento a cada movimento do dono.
Assim eles seguem tarde adentro. Meu segundo pint já vai pela metade e a indecisão me domina: voltar à rua ou partir para o terceiro e continuar por ali...

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